quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Dando um Tempo do Lugar

Gary Hill expôs pela primeira vez no Brasil, em outubro de 1997 no CCBB mostrou uma série de trabalhos em vídeo, numa época em que as pessoas, no Brasil, ainda perguntavam se vídeo era arte. Seus trabalhos, no entanto tinham tamanha força que ajudaram a demolir esta visão tacanha, acelerando a aceitação do vídeo como meio de manifestação artística. Atualmente o meio tronou-se uma unanimidade, mesmo entre aqueles que inicialmente o menosprezavam.
Na época fiquei muito impressionado com as soluções encontradas pelo artista para lidar com a preocupação primordial da arte, isto é o expectador.
Toda obra de arte existe, pois existe alguém para vivenciá-la. Sem esta “demonstração” de sua existência ela não passa de idéias na cabeça do artista. Gary Hill então propunha um entrosamento do outro com seus trabalhos sem o qual a obra estaria incompleta. Exemplificando: Tall Ships - projeções de pessoas, inicialmente ao longe, que se aproximam do visitante assim que a presença destes é detectada por chaves eletrônicas; Standing Apart/Facing Faces - duas figuras de um índio são, projetadas em tamanho natural em duas paredes, bem próximo ao vértice comum destas, fazendo com que o expectador se torne a terceira aresta deste triângulo.
A necessidade da interação obra-observador era tão grande que a tradução do título da exposição me parecia inexata (vale lembrar da dificuldade inerente de qualquer tentativa de tradução). O nome em inglês era Where The Other Takes Place, e foi traduzida como O Lugar do Outro, na minha opinião ficaria mais preciso se fosse: Onde o Outro Acontece, pois se aproximaria mais da importância concedida ao visitante pelo autor. Deixando mais clara a interação descrita anteriormente.
A relação entre Gary Hill e a literatura me passou despercebida entre aqueles trabalhos todos, mesmo sendo uma das maiores preocupações do artista, merecendo um texto super adjetivado de Arlindo Machado no catálogo daquela exposição.
Este viés é muito mais explicitado na exposição atual do artista, O Lugar Sem o Tempo (Taking Time From Place - algo que também poderia ser traduzido como: Dando Um tempo do Lugar) que encontra-se no Oi Futuro, com a curadoria de Marcello Dantas, mesmo curador da anterior. Agora a palavra está realmente no foco. Quase a totalidade dos trabalhos lidam com a palavra, podendo ser enquadrados como poemas visuais. Talvez seja esta a razão de eu ter ficado mais distanciado dos trabalhos. Em primeiro lugar não consegui entender as palavras que estão sendo ditas, em um trabalho elas são propositalmente entrecortadas nos deixando apenas com a imagem de um homem se jogando contra a parede com uma luz estroboscópica piscando contra os nossos olhos. Noutro uma mão manipula discos floridos enquanto o som dispara um texto que não me soou compreensível, e me pergunto: se um artista nacional resolvesse usar imagens de disco de chitões floridos, ele teria a admiração de alguém? A obra com a imagem dos trabalhadores silencioso encarando a câmera é da época dos trabalhos apresentados há 12 anos (no catálogo daquela exposição, vemos uma foto do trabalho) e está desconectado com a curadoria atual, além de me deixar uma impressão de que aquelas pessoas deveriam ser trabalhadores na construção do Rockfeller Center, pois os anos tornaram suas roupas em figurino de época. Em minha opinião o melhor trabalho de Hill exposto atualmente no Rio é aquele em que vemos pedaços do corpo do próprio artista pressionando uma superfície. A inteligência deste trabalho está no uso do som, uma modulação frequêncial que carrega em si toda a força feita nas projeções, ficando o contraste da suavidade (carícia) de uma projeção numa superfície e a força feita pelo retratado. Este trabalho justifica o nome da mostra. Outro ponto alto é o texto do artista plotado no nível inicial das galerias.
Fico com pena por não perceber a preocupação com o outro que o artista tinha, se deixando levar pela metalinguagem, característica da contemporaneidade que, na minha opinião, é chata e fria. Sinto saudades das figuras espectrais de Tall Ships que se aproximavam de nós, ficando a nossa frente, mudos, em tamanho natural, nos jogando dentro das suas engrenagens. Contemplar aquelas figuras nos fazia sentir toda a impossibilidade do diálogo e, principalmente, a força da comunicação não verbal, onde os ruídos de nossas psiques eram os fios no labirinto de Minos.

2 comentários:

  1. tenho que ir ver a exposição.
    confesso que sua crítica está tão boa e clara, que já vou implicando ( ...hehehe...)

    claudia H

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  2. Julio, concordo com a tradução tacanha da primeira exposição. O verbo "take" é la ativo, conjugado com o outro the other take"S" place. Assim, ha algo de ativo no lugar do outro!! talvez o verbo pronominal "posicionar-se" em português resolva o problema.
    Se ha o outro face a obra, ha leitura, este é lugar primordial da alteridade: O outro é aquele que lemos, o outro é aquele que nos lê.
    Entretanto a leitura turbulenta, aquela que desloca o olhar do outro da leitura e o faz justamente de-vagar (Herberto Helder) criar seu espaço, tem como objetvo a destrução da metafora (ou seja, ler algo "no lugar" de um outro) e a criação de um tempo reflexivo, tempo que nasce da destrução do espaço.
    Não conheço a exposição, assim não a posso "ler" nem ali "vagar". Mas como sempre dou crédito ao artista (ela sabe o que faz, cabe ao publico acompanha-lo ou abandona-lo.
    Proponho que volte a exposição com o olhar vagaroso, perdendo-se nas paisagens e ali reconhecendo o passar do tempo, a transformação do corpo.
    Depois me diga!

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